Entrevista com Fernando Alves

Diretor Executivo da Rede Cidadã

Entrevista realizada por Diego Ferreira

Gerando impacto social e inclusão no mercado de trabalho

 

Gerar impacto social e promover inclusão no mercado de trabalho são desafios fundamentais em um mundo cada vez mais diverso e interconectado. As empresas precisam ir além do cumprimento de cotas, adotando práticas que garantam oportunidades reais para todos, independentemente de suas origens ou condições. Isso implica em rever políticas de recrutamento, investir em treinamento contínuo, e criar ambientes de trabalho que valorizem a diversidade como um motor de inovação e crescimento. Além disso, é crucial medir e acompanhar os resultados dessas iniciativas para garantir que o impacto social seja concreto e sustentável, contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa e equitativa.


Para falar sobre esse tema tive a oportunidade de entrevistar o Fernando Alves, diretor executivo da Rede Cidadã. Essa é uma entidade de assistência social que desenvolve programas e projetos de forma continuada, permanente e planejada. São uma das primeiras organizações a investir no trabalho social em rede e desde 2002 reunem sociedade civil, empresas, órgãos públicos, organizações sociais e voluntários, para trazer soluções em geração de trabalho e renda. Confira o bate-papo repleto de insights sobre como uma visão de impacto social e inclusão está moldando o mercado de trabalho.

 

Como começou seu interesse pelo setor de impacto social e inclusão no mercado de trabalho? Compartilhe um pouco sobre sua jornada profissional com o nosso público


 

Dois fatores me levaram ao movimento de impacto social, por meio do Terceiro Setor. O primeiro se deu com a minha atuação como Secretário de Administração e Secretário de Direitos de Cidadania, na Prefeitura de Belo Horizonte, durante o período do Prefeito Célio de Castro. Nesta experiência tomei consciência de que o Governo não dá conta sozinho dos dilemas sociais. O que ocorre em todos os níveis, municipal, estadual e federal. Diante desta realidade emergiu a importância de termos um movimento capaz de criar a colaboração e a complementaridade de ações e projetos entre os três setores da economia, governo, empresas e as organizações sociais. Então, decidimos criar a Rede Cidadã para vir trabalhar nesta convergência de esforços, criando sinergia entre políticas públicas, projetos de responsabilidade social empresarial e iniciativas das ongs.


Em segundo lugar, foi perceber que o grande dilema dos chamados públicos vulneráveis daquela época, como comunidade negra, mulheres, juventude de baixa renda, representantes da comunidade LGBTQiA+ e pessoas com deficiência encontravam como seu maior desafio no campo dos direitos de cidadania, obter trabalho e renda. Assim, além do trabalho em rede, a Rede Cidadã focou em ações capazes de levar oportunidades de trabalho e renda para a base da pirâmide social, sobretudo durante a faixa etária de juventude.


 

 

Fale mais sobre a história da Rede Cidadã! Fale mais sobre a história da iniciativa, sua atuação no mercado e o impacto dela na sua trajetória pessoal e profissional


Podemos dividir a história da Organização em três fases. Inicialmente, marcada pela primeira década da Rede Cidadã, iniciada em 2002, quando o investimento social era totalmente resultado de projetos de inclusão social produtiva de empresas privadas. Nesta fase, governo em seus diferentes níveis foi muito mais um beneficiário dos nossos projetos do que um investidor. No entanto, a convergência de ações para os públicos das políticas sociais foi importante para criar o caminho da colaboração entre os três setores da economia. A segunda fase, conta por volta de 2009, e vem com a entrada da Rede Cidadã como entidade executora do Programa Jovem Aprendiz. As receitas passaram a ter duas fontes, oriundas dos projetos de empresas e do serviço de treinamento dos jovens aprendizes contratados pelas empresas.


Em 2019, iniciamos um novo momento com a decisão de criar uma área específica para a busca de recursos públicos. Essa decisão expandiu a capacidade do objetivo principal da Rede Cidadã, de ser aquela entidade capaz de unir a colaboração dos três setores. Hoje, a Trilha de Desenvolvimento, que atende ao usuário e sua família, mobiliza recursos dos três setores, cria sinergia entre eles, e aumenta expressivamente o impacto social.


 

 

Com certeza a Rede Cidadã tem uma grande jornada incrível! Poderia compartilhar com a gente os principais desafios que a iniciativa enfrentou e como encontraram soluções para continuar crescendo?


 

O principal desafio de uma organização social é sempre a busca do investimento social. Mas, na Rede Cidadã, sempre atrelamos o investimento à nossa capacidade de entregar resultados. Assim, o foco nos resultados abriu as portas para o relacionamento com os investidores. Isso acelerou nossos indicadores, por isso, apesar de ser uma organização jovem, com apenas 22 anos, já se somam 140 mil jovens e adultos que foram incluídos no mundo do trabalho. Um segundo desafio, no qual a nossa entidade tem sido bem sucedida, refere-se à Governança. Em nossa história, a participação de líderes empresariais voluntários tem gerado um grau de engajamento que vem assegurando a estabilidade institucional necessária para que uma boa gestão seja efetivada, utilizando das melhores ferramentas de gestão conhecidas pelo mercado.

 

 

 

Aproveite e compartilhe as principais vitórias da Rede Cidadã nos últimos anos que gostaria de destacar para o público da revista. Se possível também fale sobre como enxerga o futuro da iniciativa no mercado.



Vou destacar duas grandes vitórias que tratam da nossa metodologia de trabalho. A primeira, refere-se ao fato de criarmos a prática de ter toda a nossa metodologia de trabalho desenhada em processos. A definição dos processos da própria oferta social foi condição para assegurar qualidade, sobretudo quando somos uma organização que já atua em 90 cidades de 10 estados brasileiros. Os processos expressam a garantia da padronização do trabalho. Isso, também qualificou a definição do perfil de profissionais e as condições de treinamento.

E a segunda grande vitória no âmbito das nossas metodologias de trabalho foi a criação da Formação Socioemocional, baseada no método reflexivo-vivencial. Em 2015, descobrimos que a conquista de uma oportunidade de trabalho e o tempo de permanência no trabalho adquirido estavam diretamente ligados às competências comportamentais, e não somente às competências técnicas. Então, nos dedicamos a construir um método capaz de ampliar o domínio da inteligência emocional na base da pirâmide social. Assim, utilizando de técnicas vivenciais com práticas da biodança clínica, técnicas de respiração consciente, práticas de meditação e movimentos sistêmicos e de consciência corporal, tudo isso reunido em vivências de 20 horas levou ao aumento por três vezes mais o tempo de permanência no trabalho, após um ano de ingresso. E desde então, a nossa metodologia socioemocional ganhou força e tem impacto expressivamente na inclusão social produtiva.



No site da Rede Cidadã é possível notar que vocês atuam muito com o setor público e privado. Poderia compartilhar um pouco sobre essa atuação e o impacto social que gera?


 

O fundamento desta resposta foi apresentado na segunda pergunta, quando demonstramos que nenhum setor ou segmento da economia é capaz de resolver de forma isolada os dilemas sociais, sobretudo porque o social é constituído de forma multifatorial. Por exemplo, o que coloca uma pessoa a viver em situação de rua não se explica por um só fator, assim como a solução deste tipo de questão social não é possível somente por uma intervenção técnica de um só órgão de governo. Para tirar pessoas em situação de rua, são necessárias intervenções no campo da saúde, da moradia, da geração de trabalho e como aprendemos, até mesmo no campo socioemocional, atuando sobre o autoconhecimento e a expansão da consciência de todos envolvidos. Esses aspectos multifatoriais indicam a complexidade necessária para as respostas sociais, indicando a importância do trabalho em rede de instituições, atuando de forma a gerar complementaridade de ações. Por isso, os projetos sociais precisam criar sinergia entre o setor público, privado e as iniciativas do terceiro setor. E se pudermos incluir o trabalho voluntário de cidadãos conscientes de sua contribuição, então unimos toda a sociedade na gestão de soluções para os desafios da vulnerabilidade social.


 

Vimos no seu perfil no Linkedin que também atua no Centro Mandala! Poderia falar sobre a iniciativa e sua conexão com a Rede Cidadã?



O Centro Mandala é uma demonstração cabal do quanto iniciativas voltadas para o desenvolvimento humano precisam se integrar e gerar sinergia por longo prazo. O Centro Mandala foi criado por Lily Sverner, uma mulher com uma delicada força pessoal e consciência humana capazes de utilizar seu investimento pessoal na construção de um lugar especial para que as pessoas aprendessem a meditar e viver práticas de autoconhecimento e de expansão da consciência.


Com o falecimento desta criadora, a sua família fez a opção por manter os fins institucionais do Centro Mandala, e reconheceu na Rede Cidadã uma instituição cuja metodologia socioemocional era capaz de levar à diante todo o amor dedicado pela Dona Lily ao Mandala, como foi chamada por muitos que a conheceram. E hoje, o trabalho da Dona Lily, tem sido fonte de autoconhecimento e de expansão de consciência para centenas de profissionais que trabalham com o desenvolvimento humano, por meio de projetos de inclusão social.


Com isso, o Centro Mandala tem se transformado num espaço privilegiado para a formação de profissionais capazes de utilizar o socioemocional de forma qualificada na transformação da vida, sobretudo do público em vulnerabilidade social. Por isso, estamos lá continuando o trabalho de desenvolvimento humano da Dona Lily.


Aproveite para deixar um recado final para o público da Revista BH in Press que gosta de acompanhar o mercado da economia criativa em Belo Horizonte

 

O mundo social é um vasto campo para se pensar e atuar com as dimensões da economia criativa. Seja porque as soluções tradicionais ainda estejam muito ligadas aos processos assistencialistas, seja porque as soluções sociais ainda sejam dependentes de investimento social oriundos do setor público e privado. Portanto, um campo de muitas oportunidades para a inovação criativa, trazendo as soluções sociais como resposta integrada à dinâmica da economia, atendendo às necessidades de serviços ao mercado, associados à inclusão social.



Conheça mais sobre o trabalho do Colunista Diego Ferreira