Entrevista com Fabrizio Poltronieri


Tecnólogo Criativo | Conferencista | CTO | Professor Associado em Tecnologias Criativas | Artista premiado | Tudo sobre IA Criativa | Fundador da Big-C Creative AI e Espaçonave Tupi | Blockchain

Entrevista realizada por Diego Ferreira

Como a combinação de inteligencia artificial e arte tem um impacto importante no mercado e sociedade

 

A combinação entre inteligência artificial e arte está redefinindo não apenas os processos criativos, mas também a forma como o mercado e a sociedade se relacionam com a produção cultural. A IA amplia possibilidades, permitindo que artistas explorem novas linguagens estéticas, criem obras inéditas e democratizem o acesso à criatividade. Ao mesmo tempo, desafia paradigmas sobre autoria, originalidade e valor, levantando debates éticos que influenciam diretamente setores como moda, design, comunicação e entretenimento. Esse encontro entre tecnologia e sensibilidade humana mostra que inovação não é apenas eficiência, mas também expressão, impacto social e transformação cultural. Para saber mais sobre esse tema realizei uma entrevista com o Fabrizio Poltronieri. Confira o bate-papo repleto de insights.

 

Fabrizio, você tem uma trajetória que une arte, tecnologia e pesquisa acadêmica. Como enxerga essa interseção transformando a forma como criamos e interpretamos a arte hoje?


Eu acredito que tudo esteja interligado, eu não vejo diferença entre as diversas áreas em que atuo. Tecnologia e inovação são o que une os meus interesses transdisciplinares, já que eu estou envolvido com tecnologia desde a infância. Hoje eu vejo que tive a sorte de ganhar meu primeiro computador com 8 anos de idade, um TK-90X (um clone brasileiro de um microcomputador inglês clássico, o ZX Spectrum). Naquela época, em 1985, ou você aprendia a programar ou o computador era um dispositivo bastante limitado. Inclusive o manual que vinha com o aparelho era um manual de programação. E foi assim que aprendi a programar, atividade que eu faço quase diariamente até hoje. Minha primeira formação foi em matemática, e depois fiz outra graduação em design gráfico. Foi quando comecei a unir as duas áreas através da tecnologia, programando. Quando fiz meu Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura percebi que a arte era o campo mais fértil para exploração de minhas ideias.


É interessante observar que na Grécia antiga o termo “techne” era um conceito filosófico que se referia ao fazer, ao conhecimento prático, incluindo vários campos do saber, incluindo matemática, geometria, filosofia, astronomia, música e arte. Ou seja, o conhecimento na Grécia antiga era visto de maneira unificada. Foi somente com o advento da modernidade que as áreas do saber e fazer se dividiram da forma como as conhecemos hoje. O meu Doutorado em Semiótica foi sobre o papel do acaso na arte computacional, complementado por um pós-doutorado em Londres sobre o surgimento da arte computacional na década de 1960. Arte e tecnologia sempre estiveram conectadas, não apenas com relação ao meu trabalho, mas historicamente.



Seu trabalho com Inteligência Artificial envolve redes neurais e aprendizado de máquina aplicados à criação artística. Até que ponto você acredita que a máquina pode ser coautora de uma obra?


Eu pesquiso e trabalho com Inteligência Artificial há 25 anos, também atuando como consultor. Ou seja, muito antes do advento desta onda que vivemos atualmente de redes neurais, aprendizado profundo e inteligência artificial generativa. Hoje em dia muitos pensam que Inteligência Artificial é sinônimo de redes neurais e modelos de linguagem, mas o termo foi cunhado em 1955 em um workshop em Dartmouth, Estados Unidos. Na verdade, foi um rebranding de uma área que era conhecida como “cibernética”.


Eu tenho os três volumes do “The Handbook of Artificial Intelligence”, cujo primeiro volume foi publicado em 1981. É interessante ver que já naquela época as preocupações e temas eram os mesmos de hoje, incluindo interpretação e geração de textos e sistemas de visão computacional. Claro que muito mudou de lá para cá, principalmente em termos da quantidade de dados que as grandes empresas têm para criar modelos hoje em dia. Dito isso, meu trabalho não envolve apenas redes neurais e aprendizado de máquina. Minhas obras não são feitas apenas com prompts, algo que eu creio que no futuro irá desaparecer. Como artista e programador, eu incluo muitas técnicas advindas do que chamamos de Inteligência Artificial Simbólica, ou seja, algoritmos que não são redes neurais.


Redes neurais, aprendizado de máquina, aprendizado profundo e LLMs são apenas algumas das tecnologias que eu utilizo. Eu cunhei o termo “futuro simbiótico” no livro “The Language of Creative AI”, que co-editei em 2022. Este conceito diz respeito a minha crença de que no futuro sistemas de Inteligência Artificial não irão substituir humanos, mas sim irão trabalhar, jogar e criar em conjunto conosco, em tempo real e de maneira transparente, simbiótica. Isso irá nos tornar mais criativos, já que estes sistemas irão nos desafiar e serem desafiados por nós. Todo meu trabalho, arte e pesquisa é guiado por este ideal.





Quais têm sido os experimentos mais desafiadores e inspiradores ao trabalhar com criatividade computacional? Aproveite e fale também sobre o seu trabalho no Espaçonave Tupi.


Definitivamente o aspecto mais desafiador e inspirador tem sido projetar e criar sistemas que atuem com humanos em tempo real, de forma transparente. Há seis anos eu criei junto com o músico e professor Craig Vear, na Universidade de Nottingham no Reino Unido, um modelo de Inteligência Artificial chamado “Solaris”. Nós coletamos os dados de forma ética, isto é, pagando todos os royalties para os artistas que forneceram os dados, e treinamos um modelo que é capaz de tocar free jazz, improvisação, em tempo real com músicos humanos.

Não se trata de um modelo onde a música é criada pela Inteligência Artificial a partir de um prompt. A música é toda feita em tempo real, simbioticamente com humanos. Solaris ouve o que está sendo tocado em tempo real e participa como um competente músico em um jazz ensemble.


Craig e eu estamos em um tour mundial com Solaris. Já tocamos na Europa inteira, Austrália, Singapura, Estados Unidos e a próxima parada é na China. A Espaçonave Tupi é um estúdio criativo multidisciplinar, um laboratório vivo de ideação que reúne artistas, cientistas, educadores e produtores. Nosso propósito é explorar novas formas de engajar com a tecnologia, criando experiências que despertam curiosidade, aproximam as pessoas da ciência e da pesquisa, e ampliam a consciência sobre temas urgentes como sustentabilidade e educação inclusiva.

Acreditamos que arte, tecnologia e inovação são caminhos para um futuro mais responsável e compartilhado. Por isso, trabalhamos com linguagens emergentes como Inteligência Artificial, Web3 e Blockchain, realidade estendida, audiovisual imersivo, bioarte, entre outras. Nossos produtos e serviços transitam entre aplicações da IA de forma criativa, awareness art, educação do futuro, arte para cidades inteligentes, conceitos urbanos sustentáveis e novas formas de comunicação digital. Temos projetos para smart cities onde o mobiliário urbano atua como purificador do ar, por exemplo. No último Rio Innovation Week desenvolvemos um sistema inovador de coleta de opiniões com inteligência artificial, resultando em um relatório sobre o evento no formato de uma obra de arte generativa.


Como responsável pela parte tecnológica da Espaçonave Tupi meu trabalho é não somente viabilizar a infraestrutura técnica necessária, mas também ajudar a imaginar e criar as tecnologias para este futuro de prosperidade compartilhada.


Muito se fala sobre o “acaso” e a imprevisibilidade como parte essencial do processo criativo. Como a filosofia por trás da criação influencia suas pesquisas e produções artísticas com IA?


Eu não sou filósofo de formação, mas posso dizer que eu tenho uma boa bagagem filosófica adquirida por meio de leituras, participações em conferências e debates. E meu Doutorado é em Semiótica, que é um campo da filosofia. Como artista, minhas obras vão além da fenomenologia do que é aparente. Isso quer dizer que minhas questões vão além de criar algo que seja bonito. Não que eu tenha algo contra a beleza, mas eu busco sempre dialogar com conceitos filosóficos que formam um panorama estético mais amplo. E um desses conceitos é o acaso.


Minha tese de doutorado foi sobre o papel do acaso na arte computacional, trazendo uma discussão profunda sobre o acaso como uma força criadora que está por trás do universo. Toda vez que eu ouço a expressão “nada é por acaso” eu penso como um universo determinista, onde nada fosse por acaso, se traduziria em uma realidade muito diferente da qual experienciamos. Provavelmente bem mais monótona. Eu acredito, como artista e cientista, que o acaso está na base de tudo, sendo responsável pela diversidade e exuberância do universo.

Pensando no futuro, como você imagina o papel da criatividade computacional não só nas artes, mas também na educação e em áreas estratégicas da sociedade?


A criatividade é talvez o nosso maior ativo. Hoje em dia é trivial, se você tiver acesso aos recursos computacionais, treinar um sistema que mimetize a linguagem humana, passando inclusive no teste de Turing. Mas ainda estamos longe de modelar a criatividade. É por isso que eu acredito neste futuro simbiótico que eu mencionei. É necessário lembrar sempre que na relação humano / computadores, a inteligência é uma propriedade nossa! É algo que vem sendo aprimorado pelo universo, pela evolução e pelo processo civilizatório ao longo de milênios. Para mim, Inteligência Artificial, em qualquer formato, só faz sentido se nós e o planeta estiverem no centro, levando em conta nossa inteligência e criatividade.



Aproveite para deixar um recado final para o público da Revista BH in Press que gosta de acompanhar o mercado da economia criativa em Belo Horizonte. Muito obrigado por participar desse bate papo.

 

Eu quero agradecer muito o espaço, e finalizar dizendo que a economia criativa representa um grande potencial não apenas econômico, mas também imaterial, e que o Brasil é e continuará sendo um dos grandes celeiros de criatividade global. Depois de muitos anos vivendo, trabalhando e pesquisando na Europa eu sinto um chamado para me voltar de novo para o Brasil, um país com um potencial gigantesco. E a Espaçonave Tupi é um veículo para esta viagem de volta as minhas origens.


Em termos de Inteligência Artificial e criatividade, eu aconselho as pessoas a tentarem entender o que realmente é Inteligência Artificial, já que este é um caminho sem volta e precisamos de uma massa crítica que nos ajude a pensar, formatar e criar este futuro simbiótico.




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